A Aliança Global para Mídia Responsável anunciou sua dissolução dois dias após Elon Musk entrar na Justiça americana com uma ação em que alega boicote publicitário ilegal contra o X. A GARM (em sua sigla original) foi criada em 2019 após o ataque armado a duas mesquitas em Christchurch, na Nova Zelândia — o terrorista Brenton Tarrant transmitiu o tiroteio em seu perfil no Facebook. O caso levantou um debate acirrado sobre a profusão de anúncios automáticos em vídeos e transmissões associadas a conteúdo ilegal ou prejudicial, como terrorismo e pornografia infantil, e o impacto negativo para marcas. Parecia uma iniciativa legítima e logo atraiu a adesão dos maiores grupos empresariais e agências de publicidade do planeta. É possível consultar a lista completa pelo web archive. Lá estão, por exemplo, IBM, ABinBEV, Abbott, Adidas, C&A, L`Oreal, Lego, MasterCard, Visa, McDonald’s, Nestlé, Nike, Shein, Shell, Sony, Coca-Cola, Disney, entre outros.
A conta geral é de US$ 1 trilhão por ano em receita publicitária.
Como poder econômico é poder político, logo a iniciativa se transformaria numa ferramenta devastadora de perseguição, boicote e censura. Na ocasião, foi elaborado um guia de padrões de “brand safety”, que, em 2021, ganhou uma versão brasileira coordenada pela Associação Brasileira de Anunciantes (ABA). O “manual do publicitário moderno”, ainda em vigor, categoriza como conteúdos proibidos (veja tabela abaixo): sexual e explícito; armas e munições; atos prejudiciais a indivíduos e à sociedade e violações dos direitos humanos; morte, lesão ou conflito militar; pirataria online; discurso de ódio e atos de agressão; obscenidade e profanação, incluindo linguagem, gestos e conteúdo explicitamente sangrento, gráfico ou repulsivo pretendido para chocar e enojar; drogas ilegais, tabaco, cigarros eletrônicos, vaping, álcool; spam ou conteúdo prejudicial e nocivo; terrorismo e questão sensível.
Quem usa as redes sociais e consome publicidade automática — e já não aguenta mais ver tigrinho — duvida da aplicação integral de cada um desses itens. Na prática, muitos dos anunciantes não só injetam fortunas em propaganda indireta, via plataformas, como patrocinam diretamente eventos de toda ordem e com evidente conteúdo sexual, obsceno, profano, com linguagem chocante e todo tipo de barbaridade. Não se trata do que é veiculado, mas de quem veicula. Quem trabalha com a produção de conteúdo digital, especialmente político não alinhado com a pauta globalista, sabe bem do que Elon Musk está falando.
Quando ainda era Twitter e integrava o “cartel”, a plataforma seguia como uma das redes preferidas dos anunciantes. Mas isso mudou quando o bilionário comprou a rede social, demitiu os antigos funcionários e expôs o conluio da plataforma na censura de conteúdos indesejados, como a reportagem do New York Post sobre o laptop de Hunter Biden. No processo antitruste movido nesta semana, Musk acusa a GARM e a WFA (World Federation of Advertisers) de um boicote que teria custado à plataforma “bilhões de dólares em receita de publicidade”. Também foram arrolados como réus grande anunciantes, como os mencionados anteriormente. Musk quer ser ressarcido em três vezes o valor que deixou de obter, considerando inclusive o aumento da atividade de usuários desde que assumiu a plataforma.
A ação do X se baseia
num relatório do Congresso americano que identificou como a GARM se transformou num cartel de publicidade com controle de 90% dos gastos globais de propaganda, apoiando os esforços para desmonetizar meios de comunicação e plataformas sob o argumento de disseminarem “desinformação”. “Na medida que a GARM organizou sua aliança comercial global e coordenou ações que tiraram dos consumidores suas escolhas, ela provavelmente violou as leis antitruste e ameaçou as liberdades fundamentais americanas”, aponta o documento. “As informações descobertas até o momento da conduta da WFA e da GARM para desmonetizar o conteúdo desfavorável são alarmantes (…) Documentos obtidos pelo Comitê Judiciário da Câmara de Representantes dos EUA mostram que a GARM orientou claramente seus membros a boicotarem a publicidade no Twitter, após a compra da plataforma por Musk em 28 de outubro de 2022”, diz o relatório.
Há fartas evidências disso. E-mails mostram que a empresa de energia dinamarquesa Ørsted contatou a GARM no final de 2022 para discutir “a situação do Twitter e um possível boicote”. “Com base em suas recomendações, interrompemos todos os anúncios pagos [no Twitter]”, escreveu um funcionário da companhia, em mensagem enviada à cúpula da WFA. Em outro e-mail, o coordenador da GARM, Rob Rakowitz, comemorou ao dizer que o X estava “80% abaixo das previsões de receita”.
Os deputados republicanos também querem saber até que ponto o governo Biden — especialmente a Casa Branca e o Departamento de Segurança Interna — apoiou a censura, diretamente pelas plataformas ou indiretamente, por meio de ONGs e outras entidades financiadas com recursos públicos e privados. O relatório aponta, por exemplo, a atuação combinada entre a WFA e a organização Índice Global de Desinformação (GDI, na sigla em inglês), grupo com sede em Londres que elaborou listas de meios de comunicação que deveriam ser evitados por anunciantes, essencialmente aqueles de viés conservador ou libertário. Nos EUA, foram arrolados sites, como The Daily Wire, Reason e RealClearPolitics; TVs, como a FoxNews, e até o jornal The New York Post e o podcast de Joe Rogan.
Em relação ao Brasil,
a GDI também identificou sites e jornais que, segundo seus critérios, estariam disseminando desinformação. Apesar de ter divulgado os nomes dos veículos analisados, a ONG evitou fulanizar publicamente.
Não se sabe, porém, se o ranking elaborado foi compartilhado com outras ONGs, agências de publicidade, plataformas ou mesmo com autoridades do Judiciário. Mas, para surpresa de ninguém, descobri que os patrocinadores (veja quadro abaixo) da GDI são os mesmos de grupos, entidades e agências de fact-checking que reforçam
a perseguição contra jornalistas e veículos de comunicação não alinhados,
como já demonstrei antes. Estão lá, por exemplo, a Open Society, de George Soros, e a Luminate, de Pierre Omidyar, cofundador do eBay e mais novo mecenas do eixo de ONGs e mídias anti-conservadoras. É dele a First Look Media, grupo por trás do site Intercept.
Não é coincidência. A premissa de restrição de publicidade para supostamente proteger o consumidor de desinformação é a mesma usada por vários grupos no Brasil apenas como fachada de uma atuação político-partidária. Por aqui, poucas lideranças de oposição se interessaram em avançar sobre esse tema. Como já publiquei, apenas a Liderança do Partido Novo na Câmara demandou o governo sobre o financiamento dessas iniciativas. Mas é preciso uma atuação mais forte e coordenada, inclusive solicitando formalmente ao Congresso americano cópia do relatório sobre a GARM, já que a atuação de anunciantes, agências e ONGs é articulada globalmente.
O Comitê Judiciário da Câmara dos EUA já enviou cartas a mais de 40 empresas cobrando informações e determinando a preservação de documentos relacionados ao inquérito. Em uma entrevista ao The Post, o deputado Jim Jordan (R-Ohio), que preside o comitê, classificou o fechamento da GARM como uma “grande notícia para a liberdade, para o livre mercado, a Primeira Emenda e tudo que torna a America especial”. Paralelamente, pelo menos dois procuradores-gerais estaduais abriram apurações sobre o mesmo tema. É um começo.